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A microbiota intestinal pode ajudar a prever a ocorrência de câncer colorretal

A microbiota intestinal - a população de micróbios que vive em nosso intestino - pode ser usada para prever a ocorrência de câncer colorretal, o segundo tipo de câncer mais comum em mulheres e o terceiro em homens.

p Pesquisa realizada por uma equipe internacional de cientistas, incluindo brasileiros, encontrou uma ligação entre o câncer colorretal e mudanças nos padrões da microbiota intestinal que não dependem dos hábitos alimentares das populações estudadas. A descoberta abre caminho para o desenvolvimento de testes não invasivos capazes de prever o surgimento da doença.

p O estudo é publicado nesta segunda-feira, 1 de Abril, na revista Nature Medicine. Seu primeiro autor é Andrew Maltez Thomas, que é doutor em bioinformática pela Universidade de São Paulo (USP), Brasil. Thomas foi apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP por meio de bolsa para estágio de pesquisa na Universidade de Trento, na Itália.

p Em uma das maiores e mais variadas pesquisas já realizadas sobre o tema, os pesquisadores combinaram metagenômica, bioinformática e aprendizado de máquina (com o uso de inteligência artificial) para correlacionar a ocorrência de câncer colorretal com dados da microbiota intestinal para 969 pessoas no Canadá, China, França, Alemanha, Japão e Estados Unidos.

p Os resultados identificaram grupos de microrganismos associados ao câncer colorretal em todas as populações estudadas, e assinaturas no metabolismo microbiano (padrões de metabólitos produzidos por microrganismos) que podem ser usadas para prever a ocorrência da doença. A pesquisa teve dois outros resultados importantes. Uma delas é a descoberta, nos intestinos de pacientes com câncer colorretal, de uma espécie específica de bactéria comumente encontrada na boca e nas vias respiratórias. A outra é uma correlação entre o câncer colorretal e a presença do gene para uma enzima microbiana que degrada a colina, um nutriente essencial do grupo da vitamina B.

p O estudo encontrou níveis mais elevados da espécie bacteriana Fusobacterium nucleatum em pacientes com câncer colorretal do que em indivíduos saudáveis. Esta bactéria normalmente habita regiões da boca, e a acidez de outras partes do trato gastrointestinal era considerada fatal para ele.

p "Um grande número de bactérias orais tende a viajar para o intestino em pacientes com câncer colorretal. Essa migração pode causar inflamação no intestino, dando origem ao tumor, "Disse Thomas." No entanto, não sabemos o motivo real da migração, apenas que há uma ligação entre a presença dessas bactérias no intestino e o câncer colorretal e que a ligação merece ser investigada mais detalhadamente. "

p A outra descoberta, uma presença significativa do gene para a enzima microbiana colina trimetilamina-liase (cutC) em amostras fecais de pacientes com câncer colorretal, reforça a possibilidade de uma ligação cancerígena entre a microbiota intestinal e uma dieta gordurosa, indicadas por pesquisas anteriores. "Quando a enzima cliva a colina, que é abundante em dietas contendo grandes quantidades de carne vermelha e outros alimentos gordurosos, ele libera acetaldeído, um conhecido cancerígeno, "Disse Thomas.

p No estudo, os pesquisadores usaram dados sobre a composição e abundância de todas as bactérias encontradas em 969 amostras fecais. Para desenvolver um método simples de análise que pode ser amplamente utilizado por clínicas e hospitais, eles selecionaram as bactérias estatisticamente significativas.

p “Nossos resultados de 16 espécies de bactérias foram comparáveis ​​aos de análises de todas as espécies. Essa é uma etapa importante no desenvolvimento de uma ferramenta diagnóstica simples que dispensa o sequenciamento de toda a microbiota, mas com a precisão necessária, "Disse Thomas.

p Associação não é um elo causal

p A pesquisa sobre as ligações entre a microbiota intestinal e a saúde humana cresceu nos últimos dez anos, mas o novo estudo inova ao conceber as bactérias como marcadores do desenvolvimento de doenças.

p "Os marcadores são normalmente procurados diretamente em associação com células tumorais. Usamos um conceito diferente. Nossa análise é baseada em mudanças em um conjunto relativamente pequeno de bactérias em um espectro de centenas de bactérias que vivem no intestino e podem indicar a presença de uma doença, "disse Emmanuel Dias-Neto, pesquisador do Centro Internacional de Pesquisas (CIPE) do A.C. Camargo Cancer Center e coautor do artigo.

p O sequenciamento do DNA obtido da microbiota intestinal permitiu aos pesquisadores identificar as bactérias presentes em cada amostra fecal, para medir a quantidade de cada bactéria, e para identificar variantes em seus genomas que podem estar ligadas a diferentes resultados, como um risco elevado de câncer colorretal.

p Deve ser enfatizado, Contudo, que o estudo não mostrou que alterações na microbiota intestinal causam câncer colorretal.

p "Detectamos uma associação, mas isso não implica necessariamente um vínculo causal. A questão é se uma bactéria específica pode causar câncer ou se o câncer cria um ambiente diferente no ducto colorretal e, portanto, favorece certas bactérias em detrimento de outras. Ainda não temos uma resposta, o que seria fundamental para que os resultados das pesquisas descritas no artigo ajudem a desenvolver terapias para o tratamento do câncer colorretal, "disse João Carlos Setubal, Professor Titular do Departamento de Bioquímica da Universidade de São Paulo, coordenador do Programa Interunidades de Pós-Graduação em Bioinformática da mesma universidade, e também coautor do artigo. Setubal e Dias-Neto orientaram a pesquisa de doutorado de Thomas.

p Análise computacional

p De acordo com os pesquisadores, este pode ser o maior estudo já feito de câncer colorretal com base em dados de amostras fecais e populações tão diversas. O grupo analisou dados de cinco estudos públicos e dois outros estudos de pesquisadores da Universidade de Trento.

p Com os dados desses sete estudos, eles foram capazes de identificar enzimas e bactérias, e descobrir como a microbiota intestinal pode prever o desenvolvimento do câncer colorretal. Eles usaram dados de dois outros estudos com 200 amostras para validar seus resultados.

p "Seqüenciamento de DNA das amostras, que exigia a distinção entre o DNA da microbiota e o DNA humano, foi um meio de identificar e quantificar as espécies de microrganismos e seus genes presentes nas amostras, - disse Thomas. - Extraímos DNA das amostras fecais e sequenciamos. Em seguida, usamos métodos computacionais para analisar os dados. Como resultado, fomos capazes de identificar e quantificar as espécies e a abundância de genes. "

p Como os dados vieram de diferentes estudos, os pesquisadores usaram métodos estatísticos sofisticados para analisá-los como um conjunto.

p "Usamos métodos estatísticos meta-analíticos e técnicas de aprendizado de máquina para descobrir o quão preditivos eram os resultados, "Disse Thomas.

p Os resultados foram validados por Nicola Segata, um biólogo computacional da Universidade de Trento e supervisor no exterior do projeto, e reforçado por outro estudo realizado no Laboratório Europeu de Biologia Molecular (EMBL) na Alemanha sobre as ligações entre o microbioma intestinal e o câncer. Um artigo sobre o estudo EMBL foi publicado na mesma edição da Nature Medicine.

p "Ao preparar os artigos, trocamos dados e informações com o outro grupo, em uma parceria que se mostrou muito importante para reforçar nossas descobertas. Embora usemos técnicas de aprendizado de máquina e diferentes métodos estatísticos, chegamos à mesma conclusão de que o microbioma intestinal pode prever a presença de câncer colorretal em diferentes populações e estudos, "Disse Thomas.